sexta-feira, 20 de maio de 2011

O “Sagrado Matrimônio” e as Relações Humanas


Durante a vida escolhemos nossas paixões e amores, pautados muitas vezes em nosso desejo de resgatar no outro, o tão sonhado amor incondicional que se traduz na área da ilusão, como a mais pura e verdadeira forma de amar, o único e verdadeiro amor.

A primeira forma de amor que conhecemos é a forma de amor filial, o amor materno, talvez uma das mais belas formas de amar, e a única verdadeira. Trata-se da total disponibilidade, do amor incondicional. A mãe simplesmente ama seu filho, incluindo suas características boas e ruins; costumo dizer que a mãe ama o pacote completo. Seu amor, muitas vezes supera qualquer frustração e alcança a maior capacidade humana de perdoar que alguém pode sentir.

Lembremos que quando falamos da absoluta disponibilidade materna, nos referimos principalmente, aos primeiros meses de vida onde a ilusão da total onipotência vivida pelo bebê, é essencial para seu desenvolvimento emocional e tão necessária para viver a brecha entre a fantasia e a realidade. Neste tempo, amor é sinônimo de mistura,complementaridade e plena satisfação narcísea dos próprios desejos, para o bebê o outro existe apenas para ele, está a sua disposição, respira o ar que ele respira, ele e a mãe são um único ser, não há diferenciação ou limites claros.

O próximo passo para o desenvolvimento emocional é a vivência da frustração, a mãe totalmente disponível vai gradativamente e naturalmente frustrando o bebê na medida em que o bebê já tem condições de lidar com essa frustração. Este movimento materno (ou de quem faz esse papel), é extremamente importante para o bebê começar a diferenciar o que é ele e o que não faz parte dele (mãe) iniciando assim sua noção primária de existência e distanciamento.

Usando este momento do desenvolvimento emocional de todos nós como referência, podemos entender algumas formas de relação que continuam seguindo esse padrão, onde uma das partes por exemplo insiste em não acreditar que pode existir sem o outro; são os amores passionais onde mistura emocional e imaturidade afetiva ainda são entendidos ou traduzidos como amor.

Trazemos dentro de nós uma necessidade nata de completude que se torna preenchida num primeiro momento de nossa existência por esse amor materno. Varias pessoas em busca desse amor perfeito, muitas vezes se perdem quando acreditam que amor é sinônimo de anulação, quando confundem liberdade com desrespeito, intimidade com invasão, quando usam de chantagem emocional para suprir suas carências; e ainda quando deixam de viver seus outros papéis na vida: mulher, homem, profissional, filho, por exemplo, para ser exclusivamente em função do outro, tornando-se em vez parceiro ou parceira posse ou objeto do outro ou vice versa.

Algumas pessoas entendem o amor como algo quase mágico que mistura uma certa santidade /pureza com a total e plena devoção ao outro, e eu diria que estão presas ao mito do amor uterino. São relações que muitas vezes exigem um raio-X dos pensamentos e sentimentos, desejam, necessitam dos detalhes sobre os pensamentos e sentimentos do outro, um verdadeiro relatório contínuo e absoluto sem pulos, desvios ou mesmo titubeios sobre tudo que passa em sua mente, algo tão impossível racionalmente que geralmente só é confessado entre quatro paredes. Esse tipo de relação traz sofrimento e dor para ambos, parte de um entendimento equivocado onde amor é sinônimo de mistura e individualidade é sinônimo de desamor e traição.

O bebê só agüenta a frustração do afastamento momentâneo da mãe, quando tem dentro de si a segurança e a confiança de que ela não o abandonará e de que ele conseguirá sobreviver sem ela naquele momento.

Portanto, como nosso próprio desenvolvimento emocional nos ensina, o amor perfeito, ou melhor dizendo o amor saudável e equilibrado, recusa a auto-anulação, propõe a existência, a individualidade, o respeito ao outro, a solidariedade, o companheirismo, e a confiança mútua.

Metáfora das Mochilas


Recentemente ouvi uma metáfora sobre o comportamento humano muito interessante, era mais ou menos assim:

O ser humano caminha pelo mundo sempre em fila indiana. Carrega em sua jornada duas mochilas, uma na frente e uma em suas costas. Na da frente leva suas virtudes e qualidades e mantém seus olhos atentos a elas, na das costas leva seus defeitos e dificuldades. Carrega suas virtudes bem próximo ao peito, enquanto observa os defeitos e dificuldades do outro a sua frente, sem se dar conta que aquele que vem atrás, pensa o mesmo dele.

Este pequeno texto foi encaminhado por e-mail e o autor eu desconheço, mas achei que poderíamos a partir desta cena convidá-los a continuar desenvolvendo essa metáfora, sendo que talvez ela nos seja útil para entendermos alguns dos nossos comportamentos.

Essas mochilas fazem parte de nós. Durante nosso desenvolvimento emocional alimentamos nossas mochilas com nossos conhecimentos e desconhecimentos de nós mesmos. As confirmações e desconfirmações às quais somos submetidos todo o tempo, vão carregando-as, ora a da frente, ora a de trás. Elas são responsáveis, entre outras coisas, por nossa autopercepção, segurança interna e auto-estima que influenciam e moldam nossas propostas de relação.

Realmente trazemos dentro de nós esta difícil equação.
Como nos relacionarmos de forma positiva e saudável, sem enaltecermos demasiadamente as nossas qualidades negá-las ou envergonhar-se delas? A busca pela saúde emocional, nos leva a andar simplesmente, ora lado a lado, ora em nossa velha fila indiana, ora alternadamente, buscando relações simétricas e algumas vezes complementares, mas tentando olhar e aceitar nossas diferenças e similaridades que regem a intensidade do ser humano.

Quanto às dificuldades e defeitos, continuaremos a observá-los e a carrega-los, mesmo que andemos lado a lado. Precisamos de nossas mochilas traseiras para contrabalançar o peso que carregamos, mantendo nossas costas eretas e retas. Quando valorizamos demais nossas virtudes e nos cegamos aos nossos defeitos, tornamos nossa mochila da frente muito pesada o que obriga nosso corpo a dobrar-se para a frente e impede que vejamos com clareza nosso objetivo. Como conseqüência, passamos a observar e a valorizar atentamente cada pedra de nosso caminho, já que estamos totalmente inclinados e com nossa atenção voltada às pedras. Estas seriam comparadas aos sentimentos de inveja que atraímos para nós.

Se carregarmos demais nossa mochila das costas, exacerbando nossos defeitos e dificuldades, forçamo-nos a olhar para o céu, buscando um ideal, uma perfeição. Como resultado nos cegamos com o excesso de luz, perdendo o referencial de quem somos e do que é possível e desejado, e ficamos apenas com a lembrança de quem gostaríamos de não ser (nós mesmos). A insatisfação nos torna rígidos e exigentes, donos de uma autocrítica implacável e na maioria das vezes surge uma imensa solidão como resultado,.

Engana-se aquele que acredita que a saída está em negar a mochila das costas, pois não temos como descartá-la, ela faz parte de nós. Engana-se também quem acredita que a solução seja completar a mochila da frente, pois ela se tornará pesada demais e o resultado já conhecemos.

Talvez a saída esteja no entendimento que temos sobre o conteúdo de nossas mochilas, as duas faces de tudo, bom e mal intercalados e complementares. Aprender com nossos defeitos e dificuldades, conhecendo-os primeiramente, ou seja, passando-os da mochila de trás para a da frente, transformando-os em características e aceitando o seu lado positivo, é o movimento essencial do autoconhecimento. No começo pode tratar-se de uma jornada difícil, pois alguns passos parecem mais cansados e pesados, mas aprimorando nosso processo descobrimos que o que entendíamos como defeitos são velhos e conhecidos resultados presentes em muitos de nossa fila indiana.

E aí... Como se encontram as suas mochilas?