domingo, 12 de julho de 2009
Sigmund Freud - O mestre do inconsciente
Médico neurologista e fundador da psicanálise, Freud apresentou ao mundo o inconsciente e explorou a mente humana. Sigmund Freud ficou conhecido como um dos maiores pensadores do século XX e o pai de muitas das teorias psicanalistas aplicadas atualmente. Freud explorou a psique, desenvolveu uma teoria de personalidade, estudou histeria, neuroses e sonhos, entre tantos trabalhos.
SUA VIDA
Sigmund Freud nasceu em 1856 na pequena cidade de Freiberg, na Morávia, então parte do Império Austro-Húngaro (atualmente é a República Checa). Seu pai, Jacob, era um modesto comerciante e sua mãe, Amália, era a terceira esposa de Jacob. Freud nasceu de uma família judaica e foi o primogênito de sete irmãos.
Aos três anos de idade, a família Freud se mudou para Viena, devido ao aumento do anti-semitismo na Morávia. A cidade de Viena proporcionava aos judeus boas perspectivas econômicas, participação política e aceitação social.
Desde pequeno Freud era brilhante nos estudos e primeiro da classe. Devido à sua performance acadêmica e uma preferência de sua mãe, Freud teve o privilégio de ter um quarto só para si, onde pode estudar em paz.
Em 1873, aos 17 anos, Freud ingressou na faculdade de Medicina da Universidade de Viena. Nos anos de faculdade trabalhou em um laboratório de neurofisiologia, até sua formatura, em 1881.
Em 1882, Freud conheceu e se apaixonou por Martha Bernays. Ficaram noivos secretamente até terem dinheiro suficiente para se casarem, o que veio a ocorrer quatro anos depois, em 1886, quando Freud já possuía um consultório particular. Tiveram seis filhos. A mais nova, Ana, confidente, secretária, enfermeira, discípula e porta-voz do pai, também se tornou uma eminente psicanalista.
Antes de se casarem, Freud trabalhou durante seis meses em Paris com o neurologista francês Jean-Martin Charcot. Com este, observou o uso da hipnose no tratamento da histeria e viu estimulado seu interesse para os distúrbios mentais. Nos anos seguintes tornou-se especialista em doenças nervosas e fundamentou a teoria psicanalítica da mente.
Freud obteve um grupo de admiradores e seguidores que se reuniam com ele semanalmente. Entre eles se encontravam Alfred Adler e Carl Jung, famosos psicanalistas que acabaram se desligando de Freud para desenvolver suas próprias linhas. O desligamento de Jung foi muito doloroso para Freud. Eram bons amigos e Freud via em Jung a pessoa que iria continuar a transmitir seu trabalho.
A primeira Guerra Mundial teve um grande impacto em Freud e no movimento psicanalítico. O fim da guerra trouxe grandes modificações político-geográficas e os tratados foram particularmente severos com os países vencidos. Viena sofria de fome, frio e desespero. Voltaram as epidemias mortais, como tuberculose e gripe. Em 1920, Freud perdeu sua segunda filha, Sophie, vitima de uma epidemia. Afetado pela guerra e pela morte de sua filha, Freud escreveu "Além do Princípio do Prazer", onde ele reconheceu o instinto da morte.
Em 1923, Freud passou pela primeira de uma série de cirurgias para extrair um tumor no palato. A partir desse momento Freud passou a ter dificuldades para falar, sentia dores horríveis e desconforto.
Em 1930 publicou "Civilização e seus Descontentamentos", lançando um olhar pessimista e desiludido sobre a civilização moderna à beira da catástrofe.
Com a ascensão de Hitler, Freud, já velho e cansado, não desejava sair de Viena. Em 1938, quando os Nazistas entraram em Viena, Freud, sendo judeu, não teve escolha, a não ser emigrar. Freud foi com sua família para Londres, onde passou o final de sua vida.
SUAS TEORIAS
No esforço de compreender melhor seus pacientes, Freud iniciou um difícil processo de auto-análise. Freud trabalhou com introspecção e interpretação de seus próprios sonhos. Em 1896, Freud utilizou pela primeira vez o termo psicanálise.
Freud acreditava que histeria era uma forma de manifestação da neurose, na qual emoções reprimidas levariam aos sintomas da histeria. Estes sintomas poderiam desaparecer se o paciente conseguisse expressar as emoções reprimidas que lhe impediam de lidar com uma vida normal. Com isso, Freud trabalhou no desenvolvimento de formas que atingissem essas emoções reprimidas.
Freud desenvolveu a livre associação; uma técnica psicanalítica onde o paciente fala tudo que lhe vem à mente e ao falar surge sentimentos e memórias reprimidas. A livre associação é considerada uma das formas de se penetrar no inconsciente, podendo assim trabalhar pela terapia em cima dessas experiências e entender a causa da neurose.
Freud acreditava que a outra forma de penetrar no inconsciente seria através dos sonhos. Em 1899, Freud publicou "A interpretação dos Sonhos". Freud acreditava que os sonhos eram uma manifestação de nossos desejos e trabalhando com eles se podia chegar às memórias e sentimentos profundamente reprimidos.
Segundo Freud, outra manifestação de desejos reprimidos surge através de lapsos de língua e esquecimentos. Freud publicou essa teoria no livro "Psicopatologia da Vida Cotidiana". Nos procedimentos mentais ele não admitia a existência de meros acidentes: o pensamento aparentemente mais sem sentido, o lapso mais casual, o sonho mais fantástico possuem um significado que pode servir para desvendar os segredos da mente.
Freud explorou o conceito de que existe um conflito dentro das pessoas. O conflito seria de um instinto animal, que não seria aceito pela sociedade, causando então uma resistência da pessoa ao instinto. A pessoa reprime o instinto para o inconsciente e procura substituí-lo por outros métodos de compensação. Em sua teoria, Freud identifica vários métodos de compensação.
Em 1905 Freud publicou os "Três Ensaios sobre a Sexualidade". Freud afirmava a importância do impulso sexual, ou libido, vivido nos primeiros quatro ou cinco anos de vida.
Em 1923, quase com setenta anos, em seu estudo clássico "O Ego e o Id", completou a revisão de suas teorias. Formulou um modelo estrutural da mente como constituída de três partes distintas, mas que interagem entre si. Essas partes são o id, o ego e o superego. O id é o inconsciente, o superego é o consciente e o ego é o mediador entre o id e o superego. Essa é considerada a teoria de Freud da personalidade humana.
Platão de Atenas
Platão de Atenas (Atenas,428/27– Atenas, 347 a.C.) foi um filósofo grego.
Discípulo de Sócrates, fundador da Academia e mestre de Aristóteles. Acredita-se que seu nome verdadeiro tenha sido Arístocles; Platão era um apelido que, provavelmente, fazia referência à sua característica física, tal como o porte atlético ou os ombros largos, ou ainda a sua ampla capacidade intelectual de tratar de diferentes temas. Πλάτος (plátos) em grego significa amplitude, dimensão, largura. Sua filosofia é de grande importância e influência. Platão ocupou-se com vários temas, entre eles ética, política, metafísica e teoria do conhecimento.
Vida
Platão nasceu em Atenas, provavelmente em 427 a.C. e morreu em 347 a.C. um ano após a morte do estadista Péricles. Seu pai, Aristão, tinha como ancestral o rei Codros e sua mãe, Perictione, tinha Sólon entre seus antepassados. Inicialmente, Platão entusiasmou-se com a filosofia de Crátilo, um seguidor de Heráclito. No entanto, por volta dos 20 anos, encontrou o filósofo Sócrates e tornou-se seu discípulo até a morte deste. Pouco depois de 399 a.C., Platão esteve em Mégara com alguns outros discípulos de Sócrates, hospedando-se na casa de Euclides. Em 388 a.C., quando já contava quarenta anos, Platão viajou para a Magna Grécia com o intuito de conhecer mais de perto comunidades pitagóricas. Nesta ocasião, veio a conhecer Arquitas de Tarento. Ainda durante essa viagem, Dionísio I convidou Platão para ir à Siracusa, na Sicília. Platão partiu para Siracusa com a esperança de lá implantar seus ideais políticos. No entanto, acabou se desentendendo com o tirano local e retornou para Atenas.
Em seu retorno, fundou a Academia. A instituição logo adquiriu prestígio e a ela acorriam inúmeros jovens em busca de instrução e até mesmo homens ilustres a fim de debater idéias. Em 367 a.C., Dionísio I morreu, e Platão retornou a Siracusa a fim de mais uma vez tentar implementar suas idéias políticas na corte de Dionísio II. No entanto, o desejo do filósofo foi novamente frustrado. Em 361 a.C. voltou pela última vez à Siracusa com o mesmo objetivo e pela terceira vez fracassa. De volta para Atenas em 360 a.C., Platão permaneceu na direção da Academia até sua morte, em 347 a.C.
Em linhas gerais, Platão desenvolveu a noção de que o homem está em contato permanente com dois tipos de realidade: a inteligível e a sensível. A primeira é a realidade imutável, igual a si mesma. A segunda são todas as coisas que nos afetam os sentidos, são realidades dependentes, mutáveis e são imagens das realidades inteligíveis.
Tal concepção de Platão também é conhecida por Teoria das Idéias ou Teoria das Formas. Foi desenvolvida como hipótese no diálogo Fédon e constitui uma maneira de garantir a possibilidade do conhecimento e fornecer uma inteligibilidade relativa aos fenômenos.
Para Platão, o mundo concreto percebido pelos sentidos é uma pálida reprodução do mundo das Idéias. Cada objeto concreto que existe participa, junto com todos os outros objetos de sua categoria de uma Idéia perfeita. Uma determinada caneta, por exemplo, terá determinados atributos (cor, formato, tamanho etc). Outra caneta terá outros atributos, sendo ela também uma caneta, tanto quanto a outra. Aquilo que faz com que as duas sejam canetas é, para Platão, a Idéia de Caneta, perfeita, que esgota todas as possibilidades de ser caneta. A ontologia de Platão diz, então, que algo é na medida em que participa da Idéia desse objeto. No caso da caneta é irrelevante, mas o foco de Platão são coisas como o ser humano, o bem ou a justiça, por exemplo.
O problema que Platão propõe-se a resolver é a tensão entre Heráclito e Parmênides: para o primeiro, o ser é a mudança, tudo está em constante movimento e é uma ilusão a estaticidade, ou a permanência de qualquer coisa; para o segundo, o movimento é que é uma ilusão, pois algo que é não pode deixar de ser e algo que não é não pode passar a ser; assim, não há mudança.
Por exemplo, o que faz com que determinada árvore seja ela mesma desde o estágio de semente até morrer, e o que faz com que ela seja tão árvore quanto outra de outra espécie, com características tão diferentes? Há aqui uma mudança, tanto da árvore em relação a si mesma (com o passar do tempo ela cresce) quanto da árvore em relação a outra. Para Heráclito, a árvore está sempre mudando e nunca é a mesma, e para Parmênides, ela nunca muda, é sempre a mesma e sua mudança é uma ilusão .
Platão resolve esse problema com sua Teoria das Idéias. O que há de permanente em um objeto é a Idéia; mais precisamente, a participação desse objeto na sua Idéia correspondente. E a mudança ocorre porque esse objeto não é uma Idéia, mas uma incompleta representação da Idéia desse objeto. No exemplo da árvore, o que faz com que ela seja ela mesma e seja uma árvore (e não outra coisa), a despeito de sua diferença daquilo que era quando mais jovem e de outras árvores de outras espécies (e mesmo das árvores da mesma espécie) é a sua participação na Idéia de Árvore; e sua mudança deve-se ao fato de ser uma pálida representação da Idéia de Árvore.
Platão também elaborou uma teoria gnosiológica, ou seja, uma teoria que explica como se pode conhecer as coisas, ou ainda, uma teoria do conhecimento. Segundo ele, ao ver um objeto repetidas vezes, uma pessoa se lembra, aos poucos, da Idéia daquele objeto que viu no mundo das Idéias. Para explicar como se dá isso, Platão recorre a um mito (ou uma metáfora) segundo a qual, antes de nascer, a alma de cada pessoa vivia em uma estrela, onde se localizam as Idéias. Quando uma pessoa nasce, sua alma é "jogada" para a Terra, e o impacto que ocorre faz com que esqueça o que viu na estrela. Mas, ao ver um objeto aparecer de diferentes formas (como as diferentes árvores que se pode ver), a alma se recorda da Idéia daquele objeto que foi visto na estrela. Tal recordação, em Platão, chama-se anamnesis.
A reminiscência
Uma das condições para a indagação ou investigação acerca das Idéias é que não estamos em estado de completa ignorância sobre elas. Do contrário, não teríamos nem o desejo nem o poder de procurá-las. Em vista disso, é uma condição necessária, para tal investigação, que tenhamos em nossa alma alguma espécie de conhecimento ou lembrança de nosso contato com as Idéias (contato esse ocorrido antes do nosso próprio nascimento) e nos recordemos das Idéias ao vê-las reproduzidas palidamente nas coisas.
Deste modo, toda a ciência platônica é uma reminiscência. A investigação das Idéias supõe que as almas preexistiram em uma região divina onde contemplavam as Idéias. Podemos tomar como exemplo o Mito da Parelha Alada, localizado no diálogo Fedro, de Platão. Neste diálogo, Platão compara a raça humana a carros alados. Tudo o que fazemos de bom, dá forças às nossas asas. Tudo o que fazemos de errado, tira força das nossas asas. Ao longo do tempo fizemos tantas coisas erradas que nossas asas perderam as forças e, sem elas para nos sustentarmos, caímos no Mundo Sensível, onde vivemos até hoje. A partir deste momento, fomos condenados a vermos apenas as sombras do Mundo das Idéias.
Amor
No Simpósio, de Platão, Sócrates revela que foi a sacerdotisa Diotima de Mantinea que o iniciou nos conhecimentos e na genealogia do amor. As idéias de Diotima estão na origem do conceito socrático-platônico do amor.
Conhecimento
Platão não buscava as verdadeiras essências da forma física como buscavam Demócrito e seus seguidores. Sob a influência de Sócrates, ele buscava a verdade essencial das coisas. Platão não poderia buscar a essência do conhecimento nas coisas, pois estas são corruptíveis, ou seja, variam, mudam, surgem e se vão. Como o filósofo busca a verdade plena, deve buscá-la em algo estável, nas verdadeiras causas, pois logicamente a verdade não pode variar e, se há uma verdade essencial para os homens, esta verdade deve valer para todas as pessoas. Logo, a verdade deve ser buscada em algo superior.
Como seu mestre Sócrates, Platão busca descobrir as verdades essenciais das coisas. As coisas devem ter um outro fundamento, além do físico, e a forma de buscar estas realidades vem do conhecimento, não das coisas mas do além das coisas. Esta busca racional é contemplativa. Isto significa buscar a verdade no interior do próprio homem, não meramente como sujeito particular, mas como participante das verdades essenciais do ser.
O conhecimento era o conhecimento do próprio homem, mas sempre ressaltando o homem não enquanto corpo, mas enquanto alma. O conhecimento contido na alma era a essência daquilo que existia no mundo sensível. Portanto, em Platão, também a técnica e o mundo sensível eram secundários. A alma humana enquanto perfeita participa do mundo perfeito das idéias, porém este formalismo só é reconhecível na experiência sensível.
Também o conhecimento tinha fins morais, isto é, levar o homem à bondade e à felicidade. Assim a forma de conhecimento era um reconhecimento, que faria o homem dar-se conta das verdades que sempre possuíra e que o levavam a discernir melhor dentre as aparências de verdades e as verdades. A obtenção do autoconhecimento era um caminho árduo e metódico.
Quanto ao mundo material, o homem poderia ter somente a doxa (opinião) e téchne (técnica), que permitia a sua sobrevivência, ao passo que, no mundo das idéias, o homem pode ter a épisthéme, o conhecimento verdadeiro, o conhecimento filosófico,.
Platão não defendia que todas as pessoas tivessem igual acesso à razão. Apesar de todos terem a alma perfeita, nem todos chegavam à contemplação absoluta do mundo das idéias.
Política
Os males não cessarão para os humanos antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder, ou antes, que os chefes das cidades, por uma divina graça, ponham-se a filosofar verdadeiramente." (Platão, Carta Sétima, 326b).
Esta afirmação de Platão deve ser compreendida com base na teoria do conhecimento, e lembrando que o conhecimento para Platão tem fins morais.
Todo o projecto político platónico foi traçado a partir da convicção de que a Cidade-Estado ideal deveria ser obrigatoriamente governada por alguém dotado de uma rigorosa formação filosófica.
Platão acreditava que existiam três espécies de virtudes baseadas na alma, que corresponderiam aos estamentos da pólis:
A primeira virtude era a da sabedoria, deveria ser a cabeça do Estado, ou seja, o governante, pois possui caráter de ouro e utiliza a razão.
A segunda espécie de virtude é a coragem, deveria ser o peito do Estado, isto é, os soldados ou guardiães da pólis, pois sua alma de prata é imbuída de vontade. E, por fim,
A terceira virtude, a temperança, que deveria ser o baixo-ventre do Estado, ou os trabalhadores, pois sua alma de bronze orienta-se pelo desejo das coisas sensíveis.
O homem e a alma
O homem para Platão era dividido em corpo e alma. O corpo era a matéria e a alma era o imaterial e o divino que o homem possuía. Enquanto o corpo está em constante mudança de aparência, a alma não muda nunca. Desde quando nascemos, temos a alma perfeita, porém não sabemos. As verdades essenciais estão inscritas na alma eternamente, porém, ao nascermos, nós as esquecemos, pois a alma é aprisionada no corpo.
Para Platão a alma é divida em três partes:
1 Racional: cabeça; esta tem que controlar as outras duas partes. Sua virtude é a sabedoria ou prudência (phrónesis).
2 Irascível: tórax; parte da impetuosidade, dos sentimentos. Sua virtude é a coragem (andreía).
3 Concupiscente: baixo ventre; apetite, desejo, mesmo carnal (sexual), ligado ao libido. Sua virtude é a moderação ou temperança (sophrosýne).
Platão acreditava que a alma depois da morte reencarnava em outro corpo, mas a alma que se ocupava com a filosofia e com o Bem, esta era privilegiada com a morte do corpo. A ela era concedida o privilégio de passar o resto dos seus tempos em companhia dos deuses.
Por meio da relação de sua alma com a Alma do Mundo, o homem tem acesso ao mundo das Idéias e aspira ao conhecimento e às idéias do Bem e da Justiça. A partir da contemplação do mundo das Idéias, o Demiurgo, tal como Platão descreveu no Timeu, organizou o mundo sensível. Não se trata de uma criação ex nihilo, isto é, do nada, como no caso do Deus judaico-cristão, pois o Demiurgo não criou a matéria (Timeu, 53b) nem é a fonte da racionalidade das Idéias por ele contempladas. A ação do homem se restringe ao mundo material; no mundo das Idéias o homem não pode transformar nada. Pois o que é perfeito, não pode ser mais perfeito.
QUEM FOI FRIEDRICH NIETZSCHE?
"Eu não sou um homem, sou uma dinamite."
(Nietzsche. Ecce Homo. Cap. IV: Porque sou um destino, § 1)
Friedrich Wilhelm Nietzsche ( 1844-1900 ) nasceu em Rocken, localidade próxima de Leipzig, Prússia, no dia quinze de outubro. Seu pai e seus avôs eram pastores protestantes. Nietzsche teve muito desse espírito religioso durante a infância, e cogitava continuar a linhagem. Sua mãe era piedosa e puritana. Em 1849 perdeu o pai e o irmão. Mudou-se então para Naumburg, cidade às margens do rio Saale, onde cresceu, em companhia feminina: a mãe, a irmã, duas tias e a avó. Era uma criança feliz, aluno exemplar, dócil e leal. O zelo e mimo familiar fez com que ficasse um pouco deslocado, pois não gostava dos vizinhos, que armavam arapucas para passarinhos e bagunçavam. Preferia a calma do estudo, e os coleguinhas o chamavam de pequeno pastor, rejeitando maiores relações com ele. Lia a Bíblia, para si e para os outros. Na sua autobiografia, um de seus últimos livros, Ecce Homo- como chegar a ser o que é, conta que como seus colegas duvidavam de uma história dele, deixou alguns palitos de fósforos queimarem até fim na palma de sua mão.
Em 1858, Nietzsche conseguiu uma bolsa de estudos na escola de Pforta, onde havia estudado filósofo romântico Fichte (1762-1814 ). Leu Schiller (1759- 1805) e Byron (1768-1824), escritor boêmio romântico que foi um dos gurus do romantismo. O Romantismo teve uma importância decisiva na juventude de Nietzsche, que mais tarde, na maturidade, criticou-o. Com essas leituras, e mais a influência de alguns professores, começou a se afastar do cristianismo. Estudou muito na adolescência: a bíblia , o latim, autores clássicos, grego e a cultura grega. Gostou muito de Platão (428-348 a.C.) e Ésquilo (525-456). Escreveu um trabalho escolar sobre Teógnis (século VI a. C). Saindo de Pforta, partiu então para Bonn, onde estudou filosofia e teologia. Junto com seus colegas, Nietzsche teve um período de orgias sensuais, e arriscou atuar nas artes masculinas de fumar e beber, abandonando-as em seguida por considera-las corruptoras da percepção e pensamento. Em 1867 é chamado para o serviço militar, mas teve um acidente quando montava a cavalo. Seus músculos peitorais se distendem. Seu professor preferido, Ritschl, de cultura grega, o persuadiu a mudar para Leipzig e se dedicar a filologia. Ritschl considerava a filologia o estudo das instituições e pensamentos, e não só o estudo das formas literárias. Seguindo o mestre, Nietzsche completou seus estudos brilhantemente em Leipzig, e realizou estudos sobre Homero, Diógenes Laércio (século III) e Hesíodo (século VIII a. C). A partir desses estudos, conseguiu precocemente o cargo de professor de filologia clássica da Universidade de Leipzig. Tinha vinte e quatro anos, e se interessava por música e poesia. Queria viajar para Paris, mas o professor Ritschl, em 1869 lhe propôs o posto de professor e ele aceitou. Lá conheceu um dos únicos amigos cuja amizade durou até o fim, Overbeck, que era professor de teologia. Nietzsche ocupa-se com muito trabalho. Dá aulas sobre Ésquilo e palestras, como: “Sobre a personalidade de Homero”, “O drama musical grego”. Redige um texto, A origem e finalidade da tragédia. Alguns não concordam com Nietzsche, mas todos o consideram um jovem de futuro promissor.
Em 1870 ocorre a Guerra Franco Prussiana, passo importante para a unificação alemã. A Alemanha se industrializa, a exemplo da Inglaterra e França, que desde o século anterior passavam por processo de mecanização da produção. Otto von Bismarck, militar responsável pela unificação alemã, declara guerra à Prússia. Nietzsche participa da guerra como enfermeiro, mas logo adoece, com disenteria e difteria. Essa doença pode ser a origem dos problemas de saúde que o atormentaram por toda a vida. Recupera-se lentamente e volta para a Basiléia , afim de continuar suas atividades. Fica com a idéia de que o estado e a política são antagonistas. Ocorre a guerra civil da França, e queimam-se os arquivos do museu do Louvre (Paris). Nietzsche fica desesperado, pois considera um crime contra a cultura. Conclui o primeiro livro, O nascimento da tragédia no espírito da música. Meditou sobre o assunto enquanto atuava como enfermeiro. O livro tem força influência de Wagner (1813-1883) e Schopenhauer. Por volta de 1865, passava por uma livraria quando viu a reedição de um livro que não havia feito muito sucesso na época em que foi feito: O mundo como vontade e representação. Encontrou nele um espelho no qual redescobriu a vida com uma natureza assustadora. Passa então, a realmente se interessar por filosofia. No livro está contida a idéia principal de que os atos dos seres vivos são fruto de uma cega vontade de viver. Admira-se com o seu ateísmo, e no Gaia Ciência chama Schopenhauer de “o primeiro filósofo assumidamente ateu”. Schopenhauer diz que os meios de produção só são admiráveis quando podem ser adquiridos por qualquer homem, e que o aumento de custo, a falta de acesso, levam a uma centralização do poder negativa. Antes da guerra, em 1868, Nietzsche e Wagner se encontraram. Nietzsche gostava de sua músicas, como Tristão e Isolda. Através de Brockhauss, um professor da universidade casado com a irmã de Wagner, se encontraram. Nietzsche passou a visitar Wagner em Tribschen, que não ficava longe da Basiléia. Caracterizou o lugar como seu lar e seu refúgio. Wagner era profundo conhecedor da filosofia de Schopenhauer. Em 1872 é publicado o Nascimento da tragédia, que começa falando do drama musical grego, onde o dionisíaco se opõe ao apolíneo. O Deus Dionisio (existe também a grafia Dioniso), do vinho e da festa, levava, em seus cultos, à experimentação dramática da existência. Os homens experimentavam a exacerbação dos sentidos, a vertigem e o excesso nos cultos ao Dionisio, o Baco dos romanos. A palavra bacanal deriva dessas festas em homenagem a Baco. O dionisíaco, é como um apolíneo uma pulsão cósmica, só que de outro tipo. Nela, se aniquila as fronteiras e limites habituais da existência cotidiana. É o prazer da ação, a inspiração, o instinto. A existência cotidiana e dionisíaca são separados um do outro. Mas ao passar a o turbilhão perceptivo do culto a esse Deus, volta-se ao estado normal, deseja-se a vida ascética. Os Deuses gregos eram necessários para esse povo, diz Nietzsche, porque legitimavam a existência humana. Os homens viviam seus deuses, que mostravam a vida sob um olhar glorioso. Na tragédia grega, a platéia participava também , era artista. à tragédia se opõe a comédia. Nos cultos , o Deus se revela, mostrando o drama da individualização. O livro de Nietzsche é o de um especialista em cultura grega, e sua mitologia. Transborda de lirismo.
O apolíneo surge nas homenagens ao Deus Apolo. É o inverso de Dionisio, pois é o Deus da moderação e da individualidade, do lazer, do repouso, da emoção estética e do prazer intelectual. Esse Deus surge, na cultura grega depois de Dionisio. A arte grega retratava seus deuses, as pulsões cósmicas se manifestavam nas atividades . A arte grega era a união desses dois ideais, que se alternam. A música e o mito são inseparáveis na arte grega. O mito trágico expressava toda a crueldade do mundo dionisíaco. O coro é dionisíaco, e o diálogo, apolíneo. O pessimismo estava presente na arte, pois os gregos conheciam a dureza da vida. Essa dureza leva à desilusão, que é vencida na arte. A complementação que existia nas experiências antagônicas do Dinosíaco e Apolíneo foi destruída pela civilização. A Grécia antes não separava o manual e o intelectual, o cidadão e político. A filosofia dos pré-socráticos é afirmadora da vida e da natureza, pois o pensamento está unido com , esse fenômeno, a vida. Mas Sócrates corrompeu essa atividade grega, com as suas teorias, realçou o lado frouxo do caráter ateniense e corrompeu a juventude. O caráter da filosofia passa a ser julgar a vida, humanizar a natureza, iluminar a escuridão do mundo com a luz tênue da razão. No lugar ao filósofo mediador, que recria os valores, surgiu o filósofo metafísico. Sócrates é o responsável pela divisão , na autoconsciência, do aparente e do real, no novo culto ao entendimento, ao dizer que nada sabia. Nas suas conversas e perambulações descobriu que os homens não tinham conhecimento seguro de suas atividades, não resistiam à sua dialética e a sua maiêutica, eles agiam apenas por instinto O instinto passa, de força criadora, a ser crítico. Sócrates, teve que pagar por sua audácia, e sua serenidade diante da morte o tornou um exemplo e o novo ideal da juventude ateniense. Nietzsche também faz a crítica a Sócrates no livro O crepúsculo dos ídolos.
O mito dionisíaco, assim, desapareceu da Grécia, deixou de ser vivenciado pelos homens. A exaltação, encarnada na folia da orgia, e corrobada pela música deram lugar ao apreço civilizatório. Mas será que ele sumiu para sempre? Nietzsche reconhece em Wagner um Ésquilo moderno, que restaura os mitos instintivos, tornando a unir a música e drama em êxtase dionisíaco. É esse o caráter de sua música, segundo Nietzsche, que , junto com o povo alemão iria restaurar o mundo experimentado sob transe místico. A música é uma linguagem universal em alto grau. Todas as sensações humanas, seus esforços, seu interior, pode se refletir e exprimir pelas melodias. A razão lança isso no conceito negativo do sentimento, diz Nietzsche. E , continua segundo a doutrina de Schopenhauer, a música é expressão da vontade. O peso da existência é atenuado com estimulantes, e deles derivam a civilização. Pode ser socrática, artística ou trágica. Exemplos respectivos: a civilização alexandrina, helênica ou hindu. A característica da civilização socrática é o otimismo, que está escondido na lógica. Ao mito se sucedeu a clareza do conhecimento.
Nietzsche foi músico amador, embora quisesse mais do que isso. Era bom pianista e suas composições musicais chegam a dar bom volume. Wagner adorou o livro, dizendo que numa carta que suas palavras ainda não cobriam a grandeza do livro, pois eram insuficientes. Mas ele também provocou reações adversas, como a do helenista Mallendort. Pohden e Wagner respondem à crítica, que veio em veio em forma de panfleto. Wagner gostava de Bakunin na juventude. Em 1872 Nietzsche voltou a Basiléia. Profere palestras. É polêmico, mas envolvente. Fala sobre a difusão da cultura na Alemanha. Defende a tese de que o ensino não deve ser apenas profissionalizante, mas capacitador do desenvolvimento das faculdades humanas. Desgostoso com o silêncio sobre o seu primeiro livro, afunda no trabalho e na reflexão. Lhe vêm a idéia de que a filosofia é o médico da civilização. A filosofia deve ser crítica, não passiva. Redige uns pedaços de A filosofia na época trágica dos gregos.
Nietzsche não é um pensador sistemático. Não podemos fazer divisões rígidas de seu pensamento, e classificá-lo é difícil. Alguns estudiosos dividem a sua obra em três fases:
pessimismo romântico- (1869-1876) influência de Wagner e Schopenhauer.
positivismo cético- (1876-1881) período de rupturas. Influência do moralismo francês. Critica o caráter demasiado humano da filosofia e defende a liberdade de espírito.
período de reconstrução- A fase de Zaratustra e da afirmação da vida.
Escreve um ensaio, Sobre verdade e mentira no sentido extra moral, no qual explora o lado gnosiológico, de origem e fundamentação do conhecimento. O conhecimento é uma ilusão, a única relação do homem com o mundo possível é a estética. O conhecimento típico do homem, que assimila o mundo à sua perspectiva. Existem os instrumentos do conhecimento (categorias e linguagem) e seu produto, o mundo percebido. Uma das perspectivas que aprecem em Nietzsche é noção de que o instinto da conservação da espécie é a responsável por muitos atos. O conhecimento é útil à preservação da vida, e é também o objetivo de todos os líderes religiosos.
O conhecimento não é transcendente, o homem é criador de seus valores. O homem interpreta e dá um sentido humano às coisas, o resultado é o mundo articulado. O conhecimento foi inventado em um minuto, em relação as cosmos, pelo homem. Foi um minuto mentiroso. A verdade é procurada para ser válida e comum e a linguagem dá as primeiras leis da verdade. A verdade e a mentira seriam relativas, válidas par o ponto de vista humano.
No processo de antropomorfização do mundo, o reduzimos e generalizamos. Por exemplo, ao estereotiparmos folha, ignoramos qual folha é verdadeira e válida. Não existe na natureza a folha, elas são bilhões. Nietzsche observa os humanos de longe, e não o considera um ser privilegiado. Um dos pontos principais de sua obra é a crítica aos valores judaico-cristãos. O homem não é divino. Necessita sobreviver e dominar, na história estão presentes a vontade de poder, de dominar. O destino de um homem não é tanto assim, afinal, o sistema solar é apenas um ponto. O homem se apega à mentira do conhecimento com se sua filosofia ou ciência explicasse realmente o mistério cósmico. São invenções o conhecimento , a moral e a metafísica. No século XVIII caíram as teorias de origem divina do homem. Mas existe o idealismo metafísico, o homem é divino, a Terra é escolhida. Para Nietzsche, o homem está sem Deus, sem causa transcendente. O conhecimento é ativo e submisso à vida. O mundo que tem valor é o que criamos ao perceber. Nossas verdades são ilusão.
Para crescer em potência, uma espécie deve moldar sua concepção de realidade e comportamento em leis invariáveis e elementos previsíveis. Nos filósofos anteriores a Nietzsche, os órgãos de conhecimento eram de origem incondicionada ou transcendente. Para Nietzsche , a capacidade espiritual do homem tem um contexto natural e social.
Kant havia dito que só podemos conhecer fenômenos, e não coisas-em-si. Nietzsche aceita essa posição. Ele vai contra o racionalismo enquanto instrumento da verdade, e contra o empirismo, baseado na coisa dada e apreensão dos fatos.
Para Nietzsche, a verdade se tornou uma multidão de metáforas e metonímias, ou seja, relações humanas. Mas elas parecem objetivas e incriadas. O homem só conhece o efeito das leis da natureza, e não elas mesmas. A atividade do conhecer é um meio de se atingir a potência. Para se contrapor à ilusão em que vivemos, devemos desenvolver uma força artística. O mundo que percebemos é uma obra de arte dos sentidos e do intelecto. da concepção de conhecimento deriva a noção kantiana do conhecimento com atividade constituinte e legisladora. Nietzsche é contra a humanização do mundo.
A objetividade, para o homem, é uma função prática da subjetividade. A essência se torna sentido, e o sentido é uma força ou valor. Esse livro, Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral, é sobre verdade e linguagem. A palavra não é mais do que uma representação sonora de uma excitação cerebral. Nietzsche chega à velha verdade: existe um abismo entre a sensação e a linguagem. com a vida gregária, vem designação obrigatória e verdadeira das coisas. Assim surge a verdade, de caráter social , convencional.
Nietzsche criticou David Strauss, num ensaio que obteve aceitação , dentre outros, do hegeliano de esquerda Bruno Bauer.
Nos ensaios das Considerações extemporâneas, livro de caráter polêmico, critica o historicismo, e as Universidades. Diz que o Estado não protege nunca homens como Schopenhauer e Platão, pois tem medo deles. É acusado de megalomania.
Nietzsche sempre foi um defensor do virtuosismo, bem como do espírito guerreiro. Diz que toda a arte e filosofia são um meio para a vida que cresce. Os homens grandes sofrem . Os sofredores são de dois tipos: os de abundância de vida, que querem uma arte dionisíaca, e os que sofrem de empobrecimento de vida. Os românticos são da última categoria. Cita como exemplo de românticos desse tipo Wagner e Schopenhauer, seus ídolos da mocidade, quando já estava maduro, na Gaia ciência.
Em 1872 , Nietzsche freqüenta assiduamente a casa de Wagner. Wagner, e sua mulher Cosima lhe tratam com respeito. Nietzsche tem uma paixão contida por Cosima. Wagner se muda e eles começam a se afastar. Nietzsche começa a se isolar. Em 1876, vai assistir a tetralogia, O anel dos nibelungos, de Wagner, que andava fazendo muito sucesso e deixara-se embriagar com isso. Nietzsche se irrita com o caráter burguês da obra e pela nivelação da sociedade medíocre, que grosseiramente se entusiasmava pela música. ” aguardo com terror o fim dessas noites, não agüento mais.” Desiludido, vai para Bayeuruth. O Parsifal, de Wagner, é uma exaltação ao cristianismo e à santidade. Mais tarde, critica Wagner em muitos
aspectos, em o Caso Wagner. Começa a sofrer de saúde. Paul Reé, um médico, vem lhe prestar auxílio. Paul publicara em 1875 Observações psicológicas e se preparava para o segundo livro.
Em novembro de 1876 Nietzsche e Wagner convivem pela última vez. Na Gaia ciência, fala que eles tiveram uma amizade astros, mas como dois navios com objetivos próprios, partiram para mares e sóis diferentes.
Nietzsche vai para Sorrento, numa estada proveitosa. Volta para a basiléia e a universidade, a saúde piora. Em maio de 1878 lança Humano, Demasiado humano, numa crítica aos valores. Seguem-se opiniões negativas e positivas. Wagner, Rohde e Malwida ficam embaraçados, contra. Outros ,como Overbeck, Rée e Gast elogiam o livro. Bruno Bauer o elogia, mais tarde. O livro é lançado em comemoração ao centenário da morte de Voltaire, em 1879, Nietzsche se aposenta da faculdade e ganha uma bolsa de 400 francos anuais por serviços prestados à cultura.
A Basiléia foi seu lar durante dez anos. Lá viveu, fez amigos trabalhou, sempre criticando o vazio de muitos eruditos. Freqüentara a vida acadêmica. Passou, então, a ter uma vida errante. Em 1870, sua saúde piora de vez, ele fica a beira da morte. Crises graves e ininterruptas durante meses. Restabelecido, mas não totalmente, viaja pela Europa: Suíça, Itália, França e Alemanha. Numa linguagem mais amena, mas não menos crítica, escreve com todo o seu ser, suas verdades são sangrentas. Ignora o que sejam verdades espirituais. Em 1880 publica O andarilho e sua sombra, em que se empenha “numa luta contra a moral da auto-renúncia”. Esse livro é o de um homem culto do século XIX, opinando sobre diversos assuntos em pequenas sessões. Faz crítica literária, artística, filosófica e até política. Vê a juventude com outros olhos. O jovem é um barril de pólvora , que pode se inflamar em torno de qualquer ideologia. Nesse sentido, acha o hegelianismo perigoso. A obediência aos costumes é moralidade. Os fracos governam, pois associaram-se e recriminam os fortes.
O que é proveitoso constitui o valor. O homem é o criador de valores, mas se esquece de sua criação. A moralidade é o instinto gregário do indivíduo. Quem é punido é quem pratica os atos. Na sociedade, existem os instintos de rebanho. Atribuem-se as palavras um sentido fixo e acha que ela espelha a realidade, que tem caráter transitório. O homem chega, pelos costumes, à convicção de que é preciso obedecer. No inverso disso, existe o prazer, a autodeterminação e a liberdade de vontade.
O espírito livre revolta-se contra a crença. Para libertar-se, é preciso um longo processo de abandono de hábitos e comodidades. Nietzsche não era racional, depois passou a criticar a teologia e elogiar um pouco a ciência. Mas ela está carregada de antropomorfismos. A parte positiva é que ela se livrou do além, da vida após a morte. Escapou das crenças mas não da crença da verdade. Nietzsche diz que os homens de ciência não tem espíritos livres. A interpretação científica não é única. No inverno de Gênova, vê a obra musical Carmen, de Bizet. Sente-se arrebatado e transportado. É um retorno à vida, depois de estar de caras com a morte.
No final de abril de 1882, Nietzsche chega a Roma. Viajou em um cargueiro. Sua vida amorosa não foi das melhores. Foi recusado no pedido de casamento duas vezes. Conheceu, através de um amigo, duas jovens de origem russa, em 1876. Pediu em casamento a mais velha (eram irmãs), que mais tarde se casou com Hugo. Em julho de 1876 encontrou uma francesa, Louise Ott.
Na Sicília, Paul Rée e Malwida lhe escrevem , pedindo que conheça uma moça, Louise von Salomé, que russa, viajava pela Itália com a mãe. Era muito inteligente e tinha uma personalidade liberada, com comportamento e espírito idem. Ela se relaciona com Nietzsche, mas também gosta de Rilke e admira Freud. Em Roma se conheceram, e Nietzsche se apaixonou. Vão para a Suíça com Rée. Querem ter uma vida cultural, com muitas pesquisas em um grande centro, num projeto que chamas de Santa trindade. Nietzsche pede Lou em casamento e obtém nova recusa. Ela escreveu um livro sobre Nietzsche, em 1894. O trio se separa. Depois, voltam a ficar algumas semanas juntos. Nietzsche quer fazer de Lou uma discípula que continue seu pensamento.
A família de Nietzsche é contra sua paixão. Seu comportamento é liberado demais: vive com dois homens sem ser casada. E Lou acabou ficando com Rée em Berlim por cinco anos. Rée morreu em 1901 se atirando em uma ravina. Rée nunca teve outro amor depois de Lou, que se casou com Carl Andréas.
Em Silas Maria, Surlei, Nietzsche tem a visão do eterno retorno, teoria que colocará em sua obra prima, Assim Falava Zaratustra. A energia e a matéria do universo são finitas, e ele está sempre em fluxo, de modo que, no futuro, as coisas voltam. Cada instante traz a marca da eternidade, e volta a acontecer um número infinito de vezes. As civilizações voltarão, até mesmo Nietzsche voltará. O universo é animado por um movimento circular sem fim. Passa de um frescor para desenvolver-se e chegar ao ápice, e renasce, como Phoenix, de si mesmo. A soma de energia permanece igual no universo. Apesar disso, Nietzsche condenava a crença na vida após a morte. Para ele o homem havia sido preso pela suas crenças, inventadas e colocadas acima do real. Não devemos nos voltar para o além e o eterno, pois essa mistificação reduz o homem a condição de servo e destrói as fontes mais profundas da vida. No lugar dessas crenças, devemos reconhecer em nós e na história a Vontade de Potência, de poder. Na teoria do eterno retorno, o mundo se alterna na criação e destruição, alegria e sofrimento, bem e mal. Em Zaratustra, Nietzsche é um defensor do virtuosismo, virilidade, contatos rústicos com a natureza e espírito guerreiro.
Como explica em um poema, Nietzsche estava num jardim, no inverno de Rapallo, esperando e meditando além do bem e do mal, quando “um se fez dois, e Zaratustra passou por mim”. Nada tem a ver com o Zaratustra persa. Quando Nietzsche terminou a primeira parte de Zaratustra, Wagner morreu (sua última música foi Parsifal) .Terminou o livro em 1885. Em 1888, Nietzsche escreve o Nietzsche contra Wagner, que junto com o Caso Wagner, constitui a justificativa teórica, exorcista, das suas desavenças com Wagner. Nietzsche o critica a torto e a direito, e é famosa a frase em que diz: “Wagner acaricia cada instinto budista e embeleza-o com a música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda a forma de decadência.” Nietzsche reconhece em Wagner o pessimismo, influência de Schopenhauer, e estava em uma fase de afirmação do lado positivo da vida. Foi muito difícil editar Assim falava Zaratustra, “um livro para todos e para ninguém”. Como em muitas edições de seus livros, Nietzsche pagou do próprio bolso a última parte da obra- Foi uma tiragem de quarenta exemplares, mas não tinha para quem mandá-lo, pois estava sem amigos, e enviou-o para sete pessoas. Overbeck lhe manda livros de vez em quando, pois sabia que Nietzsche estava em dificuldades financeiras.
Nietzsche começa a redigir Além do bem e do mal. É o livro pós-Zaratustra, sobre o qual disse: “é incompreensível, pois remete a experiências só minhas, e eu não encontro companhia nem entre os vivos, nem entre os mortos”. Nietzsche faz prefácios para edições anteriores de seus trabalhos e redige a última parte de a Gaia ciência. Leu Dostoievsky, e adorou sua psicologia, que põe em personagens. O próprio Nietzsche via em si e em sua filosofia uma fonte para muitos psicólogos, que ele considerava terem muito a evoluir. Escreve Para uma genealogia da moral, que complementa e ilustra para além do bem e do mal. Nietzsche vê ao origens e motivos que fizeram o homem viver de acordo com a mentira da moral,que serve aos fracos. Escreve um adendo para o Além do bem e do mal.
Em 1889, começa a pirar. Saindo do seu quarto de pensão, vê um cocheiro açoitando seu cavalo. Precipita-se entre o animal e o açoite e perde os sentidos. Ficou desmaiado dois dias. Quando Overbeck vai visitá-lo, está louco. Diz que é o sucessor do Deus morto e o bufão da eternidade. Escreveu cartas para muitas pessoas, assinando como Dionisio, e o crucificado. Nietzsche sofria da saúde então. Não conseguindo tratamento adequado, se tornara seu próprio médico. Tomava drogas como o ópio, haxixe (principalmente) e cloral. Escreve a primeira parte de seu projeto A vontade de potência, O anticristo. Escreve Ditirambos de Dioniso. Escreve Ecce Homo. Os ditirambos são poemas, Nietzsche gostava de poesia, admirava Goethe e sua sabedoria. No anticristo, continua seu ataque à moral cristã, como força inimiga da vida, restringidora da vontade de potência , e cuja influência apolínea desvirtuou a humanidade.
Nietzsche é internado na Basiléia. Sua mãe foi contra. O diagnóstico é paralisia cerebral progressiva, causada possivelmente pelo uso de drogas e tendo como agravante sua saúde precária. Nietzsche fica dócil e seus amigos duvidam de sua loucura. Nas visitas , revela boas memórias.
A irmã de Nietzsche, Elizabeth Foster, volta do Paraguai, depois da morte do marido anti semita, que Nietzsche não gostava. Depois de uma luta judicial, consegue a responsabilidade pelos escritos do irmão , e passa a manipulá-los. Eles tiveram uma relação problemática, que alguns dizem ter sido incestuosa, com Elizabeth se aproveitando da decadência do irmão para galgar passos na sociedade. Com os direitos adquiridos na obra do irmão, Elizabeth fundou mias tarde os Arquivos Nietzsche. Ela Publica a Vontade de potência, não de acordo com a vontade do autor, mas uma coletânea de anotações e aforismos. Os livros de Nietzsche fazem sucesso na virada do século, ele obtém reconhecimento, e seus livros dão dinheiro. Mas não adiantava mais, era tarde. No hospício, Nietzsche escreve Minha irmã e eu, cuja autenticidade muito tem sido questionada. Morre em agosto de 1900.
Sua irmã ainda manipulou seus escritos a favor do fascismo, era admiradora de Mussolini. Sua teoria do super-homem foi adaptada para servir ao arianismo.
Nietzsche critica Kant, ora contra ora a favor. Diz que sua sabedoria era imensa. Que era um cristão pérfido, insidioso. Devemos a Kant um avanço metafísico, o de não crer mais na possibilidade de conhecer um além - mundo. Ele se orgulhava de seu avanço, o de ter descoberto os juízos sintéticos a priori (antes da experiência), sendo possíveis graças à uma faculdade. Mas Nietzsche diz que não temos de acreditar em tais juízos, no seu valor prático, mas nos perguntar como eles são possíveis. Porque preferir sempre a verdade? Ela nem mesmo é fixa e inalterável. Nietzsche é adepto do perspectivismo, a
pessoa enxerga o mundo de acordo com sua perspectiva sócio-cultural. A partir do sujeito, o sujeito não pode ser pensado , só vivido, sempre a entender e a interpretar. Nietzsche o chama de “o velho Kant, o grande chinês de Koninsberg. Os sistemas filosóficos exemplares de Kant e Hegel tem colocado fórmulas e valorações nos campos em que atuam.
Para Nietzsche, Hegel e Schopenhauer se colocaram contra bestial mecanização do mundo. Embora voltados para a modernidade, não faziam do racionalismo algo reducionista. Assim também acontece com Goethe, que Nietzsche não critica, diz que ele inspira respeito. Nietzsche, inicialmente via no povo alemão uma força dionisíaca, capaz de afastar a monotonia apolínea instaurada na Europa. Mas depois critica os alemães em diversos pontos. Diz que depois de dominar o espírito, se entediam com ele. Esse povo embruteceu com o cristianismo e o álcool. O essencial de sua cultura superior está perdida. Nietzsche reagiu contra o historicismo de Hegel, que justifica as ações dos homens de acordo com o espírito e com o absoluto.
No Crepúsculo dos ídolos, Nietzsche analisa como Sócrates conseguiu penetrar no coração dos nobres atenienses. Tocava no instinto de combate grego e era um erótico. Assim, conseguiu se sobressair, apesar de ser feio. Então ele afastou as mitificações que exploravam o lado obscuro da natureza, que só podia ser sentido, vivido, e não pensado. Afastou-o com a luz da razão, que elevou à categoria de tirana. Para Nietzsche, a verdade e a falsidade não mais existem, mas sim sinais, o homem está destinado a multiplicidade, pois tudo é interpretação.
Nietzsche condena a noção que se encontra na cultura de muitos povos, que explicam tudo sob a luz racional e terceirizam para um além mundo o que não se encaixa. Assim, a razão é considerada como divina, pois seu estado de clareza leva a um falso bem estar. A natureza, para Nietzsche , está além das concepções humanas de entendimento. Essa mesma natureza devia ser experimentada de acordo com o espírito guerreiro, temos de viver em estado de guerra, e resistir aos apelos supra terrenos. Ele criticou a metafísica, que colocava o mundo como reflexo diminuído de algo transcendente. A recompensa para o sofrimento dessa vida, segundo o cristianismo, está no além. O cristianismo é um vale de lágrimas. São os escravos e vencidos, ou seja os que não podiam experimentar esse mundo com o virtuosismo que ele merece, que fizeram a moral dos fracos, inventando o além. Para recuperar o lado positivo da vida, é necessário uma transmutação de todos os valores, uma revigoração da cultura judaico-cristã. No processo de transformação , teríamos de lutar contra os erros sob os quais fomos criados, como o ressentimento (é tua culpa se sou fraco), a consciência de culpa e o ideal ascético.
Mas sua tarefa é solitária. Toda a civilização é produto de bases falsas, os eruditos são o que tem maior responsabilidade para lutar contra esse defeito, e questionar os próprios princípios. A cultura encontra-se em decadência, como resultado do afastamento da força da vida, tão escassa no universo. Nietzsche se afastou, ao enxergar a verdade cada vez mais longe. Mas pagou sua dívida por esse afastamento ao criar seu herói solitário, Zaratustra, um questionador da cultura e civilização, bem como da moral e valores sobre o qual ela se apóia. A tarefa de conscientização de Zaratustra não é fácil, ele encontra a ignorância do “populacho” em um tempo não definido. Zaratustra é o personagem principal de um romance filosófico-poético. Com trinta anos, sobe à montanha para escapar dos males das relações humanas e adquirir conhecimento da natureza. Vive em exposição aos elementos naturais, e junto aos seus animais (uma águia e uma serpente). Lá vive por dez anos, até saciar de seu conhecimento como abelha que produz muito mel, e parte para o convívio humano. A narrativa é pouca, o que preenche o livro são os discursos de Zaratustra. Ao descer encontra um velho e depois de dialogar se interroga: “será possível que
este homem santo não saiba que deus morreu?” Nietzsche já havia feito essa afirmação na Gaia ciência, e desenvolve com Zaratustra. Os Deuses morreram de tanto rir, ao ouvir a afirmação de que só existe um Deus. Nietzsche pretende colocar com essa afirmação que a civilização racional afastou as interpretações místicas do mundo, prevalecendo na Terra, o senso comum, e nele não há lugar para Deus, pois o homem não pode suportar não ser Deus, e portanto Ele não existe. A ignorância do dogmatismo faz com que acreditemos em coisas absurdas. Pelo fato de não podermos explicar, colocamos nossas esperanças no fim das frustrações no além .
Para substituir a divindade morta, Nietzsche sugere o super-homem: o bom senso da Terra. O que há de nobre do homem é ser ele um fim , e não um meio. O super -homem é a ponte, é ele o raio. O homem é algo que será superado. Ele é o resultado da vontade de potência exercida, um paradigma da virilidade e virtuosismo. Se coloca além do bem e do mal, e fez seus valores em pedaços. O povo ri do discurso de Zaratustra, que resolve não pregar mais em praças.
Ao longo do livro Zaratustra viaja e expõe sua doutrina sobre assuntos diversos, adquirindo alguns discípulos. Os poetas mentem em demasia, Zaratustra expõe a verdade. É um apoio à margem do rio, mas não uma muleta. Por trás de toda a moralidade existe a vontade de poder. O homem deve exercer o poder da vida, de modo a servir de solo ao super-homem. A moral é uma força contrária à natureza. Para chegar ao super-homem, Nietzsche não descarta a eugenia, a procriação para fins de superação. Passa-se o sangue e a alma para o filho, que continua as obras. O sangue é espírito também. A educação deve enobrecer o espírito humano, e não restringi-lo. Uma vida viajante faz com que não nos prendamos em rotinas, tem que se viver em estado de alerta, como guerreiro. Zaratustra só poderia crer num Deus que dança, pois todos os dias em que não há danças estão perdidos. Zaratustra critica o Estado, pois ele não representa o povo. Tudo nele é falso, diz Zaratustra. O homem deu valores às coisas afim da auto-conservação, um valor humano, inadequado. A humanidade não existe, pois é uma abstração.
Os sábios servem o povo e a superstição, não a verdade. Ela está aonde o povo está. Zaratustra conversa com a vida e com os animais, que chegam a cuidar dele em sua época de doença e delírio. A vida lhe confia um segredo: “Olhe, eu sou o que deve ser superior a si mesmo”. Zaratustra crítica os estultos e ama a liberdade. É o último dos sábios, e conhece a arte da retórica.
Zaratustra parte em busca de novos horizontes, Primeiro vai para as ilhas bem aventuradas, depois se aventura para além do oceano. Passa pela cidade dos tolos, escorraça-os. Encontra aquele que matou Deus, sempre em busca do homem superior. Mas volta para a terra onde morava , quer retornar à sua gruta. Ouve o grito do homem superior, e no caminha encontra diversos personagens: os reis, o viajante , o homem mais feio, o mendigo. Convida-os tanto para um jantar em sua gruta, onde se dá a ação final. Lá há espaço e comida para todos. Zaratustra consegue o reconhecimento desses homens, com seu pensamento , que de modo crítico, coloca a arte e poesia como força criadora e de vida, o único valor possível.
Os outros livros de Nietzsche são influenciados pelo o de Zaratustra. Nietzsche se superou, como pensador da cultura e artista. Sua influência na filosofia posterior é grande, como em Deleuze, Heidegger e Foucault. Depois da segunda guerra, houve uma retomada da interpretação de sua filosofia, em sua acepção original, não deturpada. Fez a crítica da modernidade, e seu bravo peito desbravou os horizontes possíveis com o artifício da linguagem, e não cedeu diante as adversidade, em sua vida incomum.
Influenciou também os existencialistas e os psicólogos. Além de músico, poeta filólogo e filósofo, foi um grande escritor. Suas obras tem um tom profundo e coeso, como em Platão.
domingo, 5 de julho de 2009
O tratamento dado aos Mortos
"Deixai que os mortos enterrem seus mortos"(Lucas, IX: 59-60)
Na era Vitoriana, as pessoas fotografavam os mortos, porque acreditavam que assim seguravam a alma na fotografia. Isto era comum, existindo inclusive o álbum dos mortos.
No Brasil, isto acontecia, porque os fotógrafos só existiam nas grandes capitais, fazendo que com isto as fotos se tornassem muito caras, então os fotógrafos eram chamados nas pequenas cidades em casos extremos, no caso a morte.
A morte sempre serviu de inspiração para a arte em suas várias expressões. Foi tema recorrente em várias salas da XXII Bienal Internacional de São Paulo.
O tema morte sempre esteve presente na criação artística, quase sempre com o fito de celebrar a figura do morto. E fiéis às tradições de “parusia” de quaisquer naturezas, até fins do século XIX o tema da morte, fossem as execuções dos mártires ou os “passamentos” dos beatos, sempre foram tratados com assepsia. Não havia, não deveria haver sofrimentos expressos. Ao contrário, deveria ser mostrada a paz, á hora da morte-passagem: ”Se eu andar por entre as sombras da morte, não temerei o mal, porque estais comigo, Senhor”. E a igreja foi e tem sido zelosa guardiã desta tradição. Mas não só o cristianismo se pauta pela tradição da parusia.
É sabido que também junto aos povos pré-hispânicos vigorava esta idéia-esperança: Para os povos pré-hispânicos, a morte tinha um sentido transitório e ritualístico. Considerava-se que a vida e a morte eram dois aspectos de uma mesma realidade. Os mortos simplesmente vivem em outra dimensão, de onde com a ajuda dos deuses, renascera a vida. (‘A festa dos mortos - Javier Peres Siller - Correio da Unesco - ano 18, n.º 2’).
No final do século XVII, aconteceu um fenômeno curioso no mundo todo. Por medida sanitária, os sepultamentos passam a realizarem-se em áreas abertas, nos chamados campos-santos ou cemitério secularizados.
Isto já não é novidade. Japoneses, chineses, judeus e outros povos já traziam tradicionalizada à inumação a céu aberto. Os protestantes também, em muitos países. A mudança afetou os povos de predominância católica. No Brasil, o enterro fora da igreja era reservado aos católicos protestantes, judeus, mulçumanos, escravos e condenados, até que por lei, inspirada na correlação que se fez entre a transmissão de doenças e miasmas concentrados nas naves e criptas, instalou-se os campos de sepultamento ensolarados. A simplicidade dos padrões tradicionais e primitivos continuou caracterizando a sepultura coletiva enquanto surgiu e se desenvolveu, espantosamente, o fausto e a arrogância tumularia. Portanto, a verdadeira razão da grande mudança de atitude e gosto já existia a longos tempos no anseio de monumentalizar-se perante a comunidade. Era e sempre foi o desejo do abastado distinguir-se através de uma marca perene, de um objeto de consagração- o túmulo- pela tradição de comparar-se aos grandes personagens da história, sem cerimônia, incluindo os soberanos, os faraós, os reis, os papas, que mereceram sepulcros diferentes dos demais.
Há de fato túmulos monumentais de papas de acordo com a pompa de cada época, contudo sempre integrados à construção da igreja. Há papas que não restaram por virtudes e sim ela eventualidade do valor artístico ou monumental de seus túmulos.
De qualquer modo, erigia-se a igreja como bem pública, integrada ao uso coletivo, e nela se fazia a sepultura do deu doador benfeitor...
A arte tumularia varia com a data, acompanha cada estilo de época, de região, e jamais sonega o caráter, a espiritualidade do meio em que ocorre. Sob tal prisma, isto é, tomando-se a arte tumularia como representativa desses atributos podemos entender as estruturas sociais e culturais dos meios, mesmo quando restrita a uma parcela da população.
Aliás, tal restrição relaciona-se diretamente com o tipo de economia da sociedade, estando deste modo à arte cemiterial condicionada a fatores de caráter sociológico, econômico e cultural.
Na era Vitoriana, as pessoas fotografavam os mortos, porque acreditavam que assim seguravam a alma na fotografia. Isto era comum, existindo inclusive o álbum dos mortos.
No Brasil, isto acontecia, porque os fotógrafos só existiam nas grandes capitais, fazendo que com isto as fotos se tornassem muito caras, então os fotógrafos eram chamados nas pequenas cidades em casos extremos, no caso a morte.
A morte sempre serviu de inspiração para a arte em suas várias expressões. Foi tema recorrente em várias salas da XXII Bienal Internacional de São Paulo.
O tema morte sempre esteve presente na criação artística, quase sempre com o fito de celebrar a figura do morto. E fiéis às tradições de “parusia” de quaisquer naturezas, até fins do século XIX o tema da morte, fossem as execuções dos mártires ou os “passamentos” dos beatos, sempre foram tratados com assepsia. Não havia, não deveria haver sofrimentos expressos. Ao contrário, deveria ser mostrada a paz, á hora da morte-passagem: ”Se eu andar por entre as sombras da morte, não temerei o mal, porque estais comigo, Senhor”. E a igreja foi e tem sido zelosa guardiã desta tradição. Mas não só o cristianismo se pauta pela tradição da parusia.
É sabido que também junto aos povos pré-hispânicos vigorava esta idéia-esperança: Para os povos pré-hispânicos, a morte tinha um sentido transitório e ritualístico. Considerava-se que a vida e a morte eram dois aspectos de uma mesma realidade. Os mortos simplesmente vivem em outra dimensão, de onde com a ajuda dos deuses, renascera a vida. (‘A festa dos mortos - Javier Peres Siller - Correio da Unesco - ano 18, n.º 2’).
No final do século XVII, aconteceu um fenômeno curioso no mundo todo. Por medida sanitária, os sepultamentos passam a realizarem-se em áreas abertas, nos chamados campos-santos ou cemitério secularizados.
Isto já não é novidade. Japoneses, chineses, judeus e outros povos já traziam tradicionalizada à inumação a céu aberto. Os protestantes também, em muitos países. A mudança afetou os povos de predominância católica. No Brasil, o enterro fora da igreja era reservado aos católicos protestantes, judeus, mulçumanos, escravos e condenados, até que por lei, inspirada na correlação que se fez entre a transmissão de doenças e miasmas concentrados nas naves e criptas, instalou-se os campos de sepultamento ensolarados. A simplicidade dos padrões tradicionais e primitivos continuou caracterizando a sepultura coletiva enquanto surgiu e se desenvolveu, espantosamente, o fausto e a arrogância tumularia. Portanto, a verdadeira razão da grande mudança de atitude e gosto já existia a longos tempos no anseio de monumentalizar-se perante a comunidade. Era e sempre foi o desejo do abastado distinguir-se através de uma marca perene, de um objeto de consagração- o túmulo- pela tradição de comparar-se aos grandes personagens da história, sem cerimônia, incluindo os soberanos, os faraós, os reis, os papas, que mereceram sepulcros diferentes dos demais.
Há de fato túmulos monumentais de papas de acordo com a pompa de cada época, contudo sempre integrados à construção da igreja. Há papas que não restaram por virtudes e sim ela eventualidade do valor artístico ou monumental de seus túmulos.
De qualquer modo, erigia-se a igreja como bem pública, integrada ao uso coletivo, e nela se fazia a sepultura do deu doador benfeitor...
A arte tumularia varia com a data, acompanha cada estilo de época, de região, e jamais sonega o caráter, a espiritualidade do meio em que ocorre. Sob tal prisma, isto é, tomando-se a arte tumularia como representativa desses atributos podemos entender as estruturas sociais e culturais dos meios, mesmo quando restrita a uma parcela da população.
Aliás, tal restrição relaciona-se diretamente com o tipo de economia da sociedade, estando deste modo à arte cemiterial condicionada a fatores de caráter sociológico, econômico e cultural.
Quando Eu Morrer, (Mario de Andrade)
QUANDO EU MORRER
Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.
Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.
O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...
Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.
De Lira Paulistana
Carta de minha morte
Deixo aqui esta carta,
sem nenhum testamento,
pois de poucos momentos,
é que a vida se faz.
Eis, a carta de minha morte,
quem a encontrar considero de sorte,
não porque tenha possuído ouro ou jóia,
mas porque terá em suas mãos a história,
de um velho homem sonhador.
Estou indo nessa espera,
a busca é o meu lugar,
pra saudade, fica a lembrança,
que é uma forma de se encontrar.
Apesar dos imperfeitos passos,
que ao traçar esta estrada, exitei em deixar,
bem maior é o compasso, lição que o caminho dá:
viver é aprender, aprender sem cessar.
A vida tem sina,
busca teimosa, ensina,
além da ânsia do sofrimento meu,
existe quem precisa de mim, muito mais do que eu…
Portanto,
não quero pranto,
eu?!
estou na pausa,
deste eterno canto,
que a clave da vida regendo está.
Os bens de minha querência,
sonhos, ideais, realidades que ousei plantar…
se fenece semente no solo da existência,
brota essência, fruto que a terra dá.
Palavras? Por quê? Do que irão me adiantar?
Eu?!,
Busco a esperança plantar…
"A Morte na perspectiva filosófica"
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