quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
A Vivencia do Luto Familiar
O que se pretende falar aqui são partes de indagações feitas frente ao luto de um filho, sem maior pretensão teorizante e, como tais, na expectativa de que assim sejam ouvidas.. Talvez seja um convite de discussão ao tema: "vamos falar da morte?". Esta, que é tabu maior que o sexo, maior ainda por tratar-se da morte de um filho - dor que se recobre em silêncio, por se tratar de uma dor inominável.
O luto é um longo caminho, que começa com a dor viva da perda de um ser querido. A pessoa enlutada vive um sentimento amoroso permeado por uma saudade imensurável e envolto numa dor indizível face à perda abrupta. É quando duas situações se encontram absolutamente inseparáveis: o amor e a dor. Amor pelo excesso de investimento colocado na pessoa que se foi. E dor porque esse suporte real nos deixou. O sentimento de abandono e o caráter definitivo de sua ausência são os mais devastadores que se têm, ao se deparar com a realidade da mais pura saudade. A esse respeito, escreveu Nasio: "As manifestações da dor - abatimento, grito e lágrimas - a mantêm como se a pessoa que sofre estivesse arrastada pela prova dolorosa ..( ) Querem sofrer porque a sua dor é uma homenagem ao morto, uma prova de amor" .
As perdas costumam ser nomeadas para que possam ser minimamente suportáveis. Ao perder uma mulher, alguém passa a ser viúvo; aquele que perde os pais, órfãos; cônjuges que se separam, divorciados; mas as mães que perdem seus filhos não encontram sequer algo para nomeá-las.
Certa psicanalista contava sobre os pacientes que sofrem de dor fantasma – a dor resultante da perda de um membro do corpo que se constitue num desafio para os médicos. O "membro fantasma" lateja, coça, aquece, esfria, dói, enfim, a dor é viva, presente, embora o membro esteja ausente, morto. Só o tempo permite aos pacientes conviver nesse estado. "Penso que a dor da perda de um filho é próxima dessa”, dizia.
Ora, estamos falando de um membro do corpo, que dirá de um filho saído de nossas entranhas que, como diz o poeta Chico Buarque: "Oh,pedaço de mim, oh pedaço amputado de mim...!" É uma mutilação! No texto: "Luto e culpa na análise e na vida", de Marco Antonio Coutinho Jorge, o autor relata sobre uma paciente em trabalho de luto pela morte do marido. Conta que abandonara o tratamento anterior, pois a analista fazia intervenções impertinentes, como: "Já vem você com seu lado melancólico?” “Já vai começar com esse discurso histérico?". Segue o autor:
"O que se pode observar de saída é que tais intervenções desautorizavam o sofrimento dessa mulher e insinuavam simultaneamente, que ela se aproveitava dele para usufruir de forma particular .
Diante dal perda, há aqueles que se jogam no trabalho de forma obsessiva, quando este o permite. Há outros que ficam alheios,impotentes, paralizados!
O filme "O quarto do filho" relata a experiência da morte do filho de um psicanalista, e este se vê na condição de afastar-ser da clínica por tempo indeterminado.
Marie-Hélène Brousse, em seu livro nos fala sobre a terapeutização da vida, que vivemos numa sociedade dos tratamentos da dor de existir. Atribui uma vitória à terapêutica, que está em todo lugar e de todas as formas.
O luto não é terapeutizável, não há remédio para essa dor. Lembro de uma revista que li, cujo título da reportagem era: “A dor que não termina”. São relatos de pais que perderam seus filhos de maneira trágica e os relatos da reação particular que cada um teve. Desde aquele que ao ver seu filho morto por atropelamento e que o carrega nos braços para ser morto pelos carros que passavam, como aquela mãe que se recusou a comer desde a perda de sua criança vindo a falecer 4 meses depois de inanição. A reportagem começa justamente falando que o luto de quem perde filho é diferente de qualquer outro... e pode tornar-se insuportável o peso de tocar a vida adiante. A morte é sempre motivo de angústia e tristeza, mas a morte de um filho é uma tragédia contra a natureza, um desastre além da razão.
O historiador francês Philippe Ariès conta que até o final da Idade Média, não se guardavam sequer os retratos das crianças. Se elas cresciam e se tornavam adultas, a infância era um período sem importância em suas vidas. Se morriam cedo, não se considerava que aquela coisinha desaparecida fosse digna de lembrança. Era o período das epidemias, das pestes, das doenças que ninguém sabia como tratar, e a morte era tão comum, que era natural ter vários filhos para que só alguns sobrevivessem. Montaigne, filósofo do séc XVI, dizia: “perdi dois ou três filhos menores, mas sem desespero”.
Quanta distância para os tempos em que vivemos: famílias pequenas, poucos descendentes...Vivemos em um período desbussolado onde não se pode mais, como antigamente, encarar a tragédia como vontade de Deus. Diante de uma determinação superior, restava apenas se conformar. As mães, no passado eram poupadas de qualquer tarefa por um período de no mínimo um ano para se recolherem. Não há mais tempo para resguardo, nem para recolhimento. A licença de uma semana (até o sétimo dia) é o que é amparado por lei. Os tempos modernos, onde impera a ditadura da alegria não oferece espaço nem lugar para a dor, especialmente uma dor como essa. “Reaja!”, “Seja forte!”, “Não fale mais no assunto!”, “Aprenda uma lição com sua dor!”, “Não fique paralisado pela dor!”
“Enfrente!”, são imperativos ouvidos de modo inoportuno e impróprio.
Portanto, nada de fórmulas, ou de dizer como alguém deve reagir, ou fazer, ou dizer.
Aliás, não há muito o que dizer. Aliás, não há nada o que dizer.
A perda de um filho não é uma dor qualquer. Implica numa longa travessia de luto, reinventar a vida a cada dia e conviver diariamente com a saudade.
Respeitoso foi o apoio recebido de Romildo do Rego Barros que assim se expressou: "Não tenho a pretensão de saber como você está se sentindo, mas sei que as saudades podem, paradoxalmente, inspirar a nossa vida e nos empurrar para frente". Essa frase enigmática, a princípio, e até de um certo ponto pautada numa impossibilidade...
Outro questão que convém marcar é: que tempo há para o luto?
O luto é muito parecido com a depressão - afetivamente falando - mas esta é sem a perda real do objeto, Há cobranças estrondosas relativas ao tempo expressas como:: "Você ainda está chorando deste jeito?
Era preciso encarar, de frente, o que me parecia impossível: conviver sem o olhar e a voz desse filho tão amado.
Que tempo para o luto? Até Jesus chorou no túmulo de Lázaro. Então choro é sinal de que também amamos QUEM PARTIU PARA OUTRA DIMENSÃO.
As mães não deveriam chorar a morte de seus filhos. Ao concebê-los, deveriam receber, com carimbo do céu e assinado por Deus, uma certidão de garantia, para vê-los crescer, sempre saudáveis e felizes. Ao lado deles, poderiam comemorar suas vitórias, suas conquistas, e depois de muito tempo, quando sentissem a conclusão de seu ciclo de vida, elas teriam o direito de serem veladas por seus filhos, todos eles, a fim de seguir feliz sua viagem de reencontro ao Criador. Os filhos, para as mães, deveriam ser sempre vivos, pois não foram concebidos para a morte, mas para a vida. Nada neste mundo é mais triste, mais doloroso do que choro de mãe que perde um filho.
Elas não merecem isto. Nunca mereceram.
Jamais merecerão.
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oiee..td bem adorei seu texto..
ResponderExcluirestou fzdo uma pesquisa sobre o a vivencia do luto dos pais que perdem seus filhos... para pesquisa hj existe pouco sobre isso, qria entaum poder usar partes do seu texto vc tem referencias dele.. e eu posso fazer uso dele referenciando vc?
obg
bjo